Há muito gostaria de escrever sobre o Nepal, mais
especificamente sobre o “Vale de Kathmandu”, que foi a região do país que visitei,
juntamente com minha irmã, em fevereiro de 2014. Ocorre que outras viagens foram sendo
realizadas sucessivamente, atreladas a novos desafios da vida pessoal, o que
nos levou a um atraso na descrição de nossas observações sobre esse curioso
país do subcontinente indiano, encravado entre a Índia e a China, e que possui
oito das dez montanhas mais altas do mundo (incluindo o Everest, a maior), quatro
delas na fronteira com o Tibete.
O Vale de Kathmandu, visto da estupa de Swayambhunath |
Entre a China e a Índia. O Nepal e suas principais cidades. Fonte: World CIA Factbook. |
Inicialmente, vale dizer que a maioria dos turistas cogita conhecer o Nepal justamente por ser um país propício ao “trekking”, à escalada de montanhas, à aventura. A preferência é chegar ao topo do Everest, um desafio de vida e a consagração de todo alpinista. Em nosso caso, a atração e a vontade de conhecer o Nepal se limitou ao aspecto histórico-cultural, ou seja, buscamos conhecer um pouco de uma civilização misteriosa, distante e inacessível para boa parte dos brasileiros. Visitar para descobrir a cultura e os costumes do povo nepalês – esse, enfim, o nosso desiderato.
A curiosa bandeira nepalesa. A lua e o sol. |
Povo nepalês, aliás, que revelou ser gentil, humilde, hospitaleiro, sereno. Um povo que sobrevive à base do pequeno comércio (artesanato; tapetes; vestuário; pashmina - tecido de lã e seda; e peças de madeira e de juta) e da agricultura.
A população do Nepal tem suas peculiaridades, sendo composta por várias etnias, merecendo destaque a dos neuares, a mais significativa em números absolutos, de origem indiana. Alguns nepaleses falam em 123 etnias, um número vultoso em um país tão pequeno...
Não custa lembrar - o povo nepalês é, sobretudo, ligado à espiritualidade. Há, ali muitos monges budistas, nepaleses e de origem tibetana, além da maioria hinduísta. A pequena pátria é nada mais nada menos que a terra de Sidarta Gautama, o Buda, que nasceu na pequena cidade de Lumbini. As montanhas que tocam o céu parecem mesmo emprestar a esse povo ares místicos.
Apesar de ser a terra de Buda, é o hinduismo a religião principal do Nepal. São os seguidores de Shiva, Vishnu, Brahma, Ganesha e outros milhões de deuses. Nesse recanto de fé, e derivado da crença hinduísta, sobra espaço até para a adoração de uma deusa viva na terra - a Kumari, uma criança que é considerada a reencarnação viva (e temporária!) de Taleju Bhawani, que, por sua vez, é a face feminina da deusa Durga (esposa de Shiva e mãe de outros deuses, a exemplo de Ganesha). Ao primeiro sinal de derramamento de sangue, e a Deusa Kumari transforma-se numa simples mortal, sendo substituída por outra menina, em um ritual que já acontece há 2.500 anos.
Outro ritual de destaque é o da morte entre os nepaleses. A cerimônia de cremação, no Rio Bagmati, nas proximidades do Templo Pashupatinath é digna de nota. É um rio escuro, cor derivada do excesso de impurezas jogadas todos os dias. São várias grandes piras funerárias à espera dos mortos, que tem seu corpo banhado no rio antes da cremação. Geralmente filhos homens raspam seus cabelos em sinal de respeito à morte do ente querido. É comum ver esse tipo de cena nesse rio sagrado.
Eis alguns traços da cultura do longínquo país asiático.
Agora, com o forte tremor de
terra que assolou o país em abril de 2015, o Nepal apresentou-se para o mundo
de uma forma trágica, infelizmente.
Assim, a partir dos fortes abalos, em plena era do desenvolvimento das
comunicações, principalmente via internet, foi possível vislumbrar a realidade
desse país pobre e montanhoso, que vive basicamente da agricultura (arroz e trigo) e de um
turismo ainda pouco significativo.
Certamente, em 1934, data do último grande abalo, as notícias eram muito mais
restritas e as dimensões da repercussão bem menores que atualmente, o que não contribuiu para o conhecimento da realidade do pequeno país asiático.
O que já era difícil para a
maioria da população, sujeita a restrições de energia elétrica e consumo de
água no seu dia a dia em época de normalidade, agora se tornou mais complicado e penoso. E um terremoto de magnitude 7,8 na escala
Richter, fruto do encontro de duas gigantescas placas tectônicas, a indiana e a euro-asiática, traz consigo uma nova e cruel realidade – muitas pessoas mortas
(estima-se em cerca de 7 mil) e muitos monumentos históricos danificados, especialmente
em praças das três cidades mais turísticas daquele Vale – Kathmandu, Patan
e Bhaktapur
(a mais bela, em minha singela opinião). Um considerável abalo de
infraestrutura (que já era precária antes) em um país caracterizado por um
índice de desenvolvimento humano baixo, geralmente superando somente nações africanas.
O antes e o depois da Praça Durbar em Bhaktapur. Fotos: Reuters em BBC Brasil. |
A beleza de Bhatkapur, em fevereiro de 2014. Patrimônio Mundial da UNESCO. |
Mais uma cena de Bhaktapur, em fevereiro de 2014. |
Praça Durbar em Patan, Nepal. |
Boudhanath, em fevereiro de 2014. |
O Vale de Kathmandu, é importante asseverar, transformado em "Patrimônio Cultural da Humanidade" pela UNESCO em 1979, congrega sete sítios históricos, assim denominados: as três praças Durbar (Kathmandu, Patan e Bhaktapur); os templos hinduístas Pashupatinath e Changu Narayan e as estupas (monumentos construídos sobre restos mortais de importantes autoridades religiosas budistas) de Swayambhunath e Boudhanath. Desses, pelo menos cinco (as três praças e duas estupas) sofreram consideráveis danos em sua estrutura.
Estupa de Swayambhu, no Vale de Kathmandu. Foto: Daily Mail. |
Patan é uma joia nepalesa que sofreu consideráveis abalos. Fonte: Daily Mail. |
As imagens transmitidas pelos principais meios de comunicação mundiais demonstraram a incrível superação do povo nepalês, tendo ocorrido muitos salvamentos de pessoas presas a escombros durante períodos superiores a dois dias. Um idoso de 101 anos, inclusive, conseguiu se salvar depois de uma semana preso a ruínas. Problemas como a falta de água e alimentos persistirão por algum tempo, sendo necessário que continuem as doações chegando, já que o país precisa muito dessa colaboração.
Fica a dor da morte de milhares de nepaleses- mais de sete mil - mas também a certeza de que o país superará o momento delicado, assim como ocorreu em 1934, quando um terremoto ainda maior assolou o país. E que viva o Nepal!